quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mendiga cultura

Acorda naturalmente sem aquele insuportável despertador. Como de costume, levanta e vai tomar o farto café da manhã, com um mamão, uma xícara de cereais com leite integral, duas fatias de pão com requeijão, meio pacote de bolachas recheadas e um comprimido (composto vitamínico). Apanha um livro ou uma revista e lê durante aproximadamente uma hora. Toma banho para revitalizar-se. Dois mil cremes são passados em cabelos, corpo e rosto. Trabalha em casa. É jornalista. Escreve mensalmente a uma revista que aborda assuntos literários. Está chegando o dia da entrega do artigo. Havia escrito somente uns esboços, mas por possuir enorme criatividade, seria fácil editar todo o texto em um dia. Sentou-se na cama. Abriu o laptop. Foi ver as notícias na página inicial e depois editaria a escrita. Pasmou diante da tela, pensando a respeito de seus sentimentos. Algo estranho estava ocorrendo. Já fazia muito tempo (poupou a memória de esforços para não lembrar da última vez) que não chorava. Ultimamente, era notório seu descaso para com a sensibilidade. Mas, teria de fato se tornado insensível a tudo? Preocupada, inicia algum poema, ápice do lirismo literário:

"Oh frondosa fonte,
Indica meus afluentes tortuosos"

O começo demonstra-se poético. A indignação toma conta dela por não prosseguir as belas palavras.

"Oh frondosa fonte,
Indica meus afluentes tortuosos"

Ela repete infinitas vezes os dois versos para que "a fonte faça fluir" as ideias.

"Oh frondosa fonte,
Indica meus afluentes tortuosos
Limita o ensejo da infâmia
Elimina a maledicência dos invejosos"

Um verso. Somente um que não tem prosseguimento. Textos inacabados. Lirismo, onde estará?
A vida dos versos está no choro derramado, abundante em tristeza.

Ela estaria feliz? Felicidade independe de insensibilidade.

A jornalista tão bem-sucedida queria buscar o sentimento perdido, a sensibilidade exacerbada que poucos possuem. Já não aguentava mais textos secos. Pediu demissão, vendeu a casa e deu este dinheiro a quem pedisse. Foi morar num lugar inóspito e ali pôde compor belíssimos textos, todos tratando de assuntos como a pobreza mundial, escassez de víveres, reforma agrária, amor, beleza e filosofia.

Após analisar a vida da moça, descobriram sua imensa vontade de fazer Letras. Porém, havia sido obrigada pelos pais a fazer Jornalismo.

Depois eu não sei como não entendo por que dizem que Letras não dá futuro...

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